Hoje estava eu em mais uma destas longas esperas em um consultório médico quando, na tentativa de acelerar o tempo, peguei uma revista, sem capa, amassada e nem um pouco atraente. O fato é que encontrei algo muito interessante na ultima página (pelo menos era a última página mostrada) uma coluna escrita pelo compositor e cantor Zeca Baleiro, depois de ler comecei a procurar e descobri que tratava-se de uma Istoé de 14/10/2009. A coluna falava sobre a passeata pela paz que aconteceria no parque do Ibirapuera, leva a uma reflexão muito interessante. Eis a compilação do texto:
“- Então, preparado pra passeata?
– Que passeata?
– A passeata pela paz, neste domingo, no Ibirapuera
– Ah, não, vou passar longe!
– Por quê? É uma bela causa.
– Não, não, tô fora, não acredito na paz.
– Que isso rapaz? É só uma passeata, não precisa filosofar.
– Não tô filosofando, só entro no que acredito. Não vou participar de uma passeata só pra parecer bacana.
– Não pra isso, mas pra mobilizar as pessoas.
– A quê? A viver em paz? Não nascemos pra ter paz. Isso não é um atributo dos humanos. Os homens nasceram pra guerra, pra inquietação, pro movimento, não pra paz .
– Não entendo. E as pessoas que viveram pela paz? Os grandes líderes religiosos?
– Isso não é paz, é outra coisa.
– Eu acho que a humanidade ainda viverá em paz.
– Quem acredita nisso ou é ingênuo demais ou é pilantra. O mundo precisa é de guerra. São as pessoas nervosas que mudam o mundo, que fazem a roda girar.
– E Gandhi, Jesus, Buda?…
– Gandhi ok, talvez. Jesus não, era um subversivo, um riponga porraloca, bagunçou o coreto do império romano. Pregava o amor livre – “amai-vos uns aos outros”…
– E aquela imagem de Buda em meditação eterna?
– Aquilo não era paz, era sobrepeso. Como o cara não podia se mover ficava lá paradão só curtindo, tirando onda de sereno. A paz não tá com nada, já falei. Puro marketing.
– Como assim, marketing?
– Tem causa mais simpática do que essa? É claro que isso angaria a simpatia dos normais. Fale sobre a paz em um show, uma peça, uma conversa de bar e você verá o efeito que causa nas pessoas. Alguns são até capazes de chorar.
– Você tá é amargo isso sim.
– E você tá crédulo demais pro meu gosto. Não há nada que venda mais que a bondade meu caro. Vá a uma livraria e veja quantos livros falando de amor, de compaixão, do bem contra o mal…Balela, tudo balela.
– O bem existe, não é balela.
– Mas o mal é mais forte.
– Eu acredito na paz.
– Eu não.
– …
– A paz vende, meu caro. A paz é um bom negício, se bobear mais rentável que a guerra.
– Eu também não acredito em paz plena mas acho que um gesto como esse, uma passeata, as pessoas de branco, mãos dadas, tem um simbolismo forte…
– Tem, tem sim… O cara vai à passeata, dá a mão a um estranho, fala manso e na volta para casa, arrepia no trânsito, xinga o primeiro cristão que cruzar seu caminho, que não lhe der a vez, que buzinar nas suas costas…
– Deus do céu!…
– Você acha que neguinho tá preocupado com a paz no mundo? Tá preocupado é com a paz no seu mundo, seu mundinho, seu conforto de condomínio, todos com medo do entorno. Escreva aí, essa passeata é um ato de egoísmo.
– Isso pra mim tem nome, é amargura.
– Então tá, vou organizar uma passeata pela afirmação da amargura… Estão todos muito felizes, todos muito empenhados nessa cruzada pelo bem-estar, pela paz… Mas na real, no dia a dia, nego só quer o seu pirão primeiro.
– Eu acredito na paz.
– E eu em duendes.
– Pra mim chega, você tá impossivel hoje. Tchau fica com Deus!
– Vá com ele. E descanse em paz.”
Zeca Baleiro